Uma rapariga como tantas outras

agosto 28, 2017



Eu nasci rapariga e com isso inúmeras coisas perseguiam-me mesmo antes de eu nascer. Os fatinhos cor de rosa, os laços para o cabelo, os nomes fofinhos como princesinha. Eu nunca quis ser princesa.
Eu nasci e era menina por isso toda a gente me oferecia bonecas, barbies, e tudo ok com isso, eu gostava de bonecas, eu gostava de cor de rosa, porque mal eu nasci fui obrigada a gostar dessas coisas. Os pais tentam tudo por nós e quase nos tratam como um nenuco quando nascemos impingindo-nos tanta coisa.  Não vejo isso como uma coisa negativa.  Negativo é os pais não aceitarem que eventualmente vamos crescer e dar uso ao nosso cérebro. É importante termos liberdade para pensar num mundo onde quase somos obrigados a engolir as regras de boa aparência da sociedade.

Quando eu cresci eu comecei a pensar por mim, já não queria ser princesa e não queria ser uma boneca. Não queria ser vista como um menina. Mas eu era uma menina e só por isso já tudo estava traçado. 

Na escola os rapazes chamavam-me de puta só porque sim, porque eu devo ter vestido uma mini saia e ao subir a escadas alguém deve ter visto um bocadinho de uma nádega. Que vergonha. Puta sem dúvida. Por eles acharem que era puta achavam que podiam apalpar-me, encostar-se a mim e dizerem coisas como "quero comer-te a c*na" e eu tinha que ouvir e engolir porque os rapazes são mesmo assim, está na sua natureza serem assim e na nossa natureza sermos umas putas se não andarmos tapadas até ao queixo,  se não concordamos com tudo que nos ensinam e pior de tudo se não formos o que é suposto sermos.

Lembro-me de quando andava no 6• ano,  ou seja tinha 11 anos,  dois rapazes uns quatro anos mais velhos que eu me terem agarrado no jardim da escola enquanto toda a gente corria para o autocarro,  terem passado a mão nas minhas pernas,  terem levantado a minha saia e passarem a mão na minha vagina ao ponto de me rasgarem as meias.  Por muito que eu os afastasse de mim e gritasse com eles eu lembro-me de eles se rirem e dizerem "shiuuu que tu gostas" "shiuu que tu queres". Não, eu não queria nada,  e não gostava de nada. Eu não lhes pedi que me tocassem e eles não tinham o direito de me tocar.  Felizmente aquilo ficou por ali.  Podia ter corrido pior se fosse noutro lugar. Lembro-me de ter ido para casa a pensar que se calhar a culpa foi minha,  que eu fazia por isso porque dava confiança a mais porque deixava os rapazes abraçarem-me e mandarem piadas.  No dia seguinte acordei outra pessoa porque esse episódio mudou em tudo a minha vida e a minha maneira de pensar.  

Com o passar dos anos eu tornei-me diferente e deixei de aceitar que por ser rapariga teria de engolir sapos, não poderia andar de forma provocante, porque estaria a pedir para ser enxovalhada, vitima de sexismo. Então decidi revoltar-me e ser aquilo que me apetecia ser. Dizer mais que aquilo que sentia. Ofender como arma de defesa  porque eu não queria mostrar que aquilo me afectava. E quando pensamos que isto era coisas de canalha, porque a idade justifica muita coisa segundo os adultos, as coisas não melhoraram.
Estava para nascer a pessoa que me iria estabelecer regras de quem eu deveria ser.

Quando deixei a escola e comecei no mercado de trabalho a coisa ficou preta. Muito preta.

Porque como eu era um bocadinho diferente, refilona e sabia bem aquilo que queria, as pessoas automaticamente pensavam que eu era drogada, andava nos maus caminhos. Eu já ouvi coisas muitas más, já me acusaram de coisas más, já me disseram coisas horriveis e já me fizeram coisas dificeis de suportar. Tudo porque eu me recusei desde sempre a ser a princesa que deveria ser. A "dar-me ao respeito", a ser discreta e não me envolver em merdas. 
Porque sempre lutei por aquilo que sou e por aquilo em que eu acredito as pessoas acham que eu aguento tudo e como sou tão "forte" dizem-me tudo e mais alguma coisa. Com todo este stress psicológico passei por merdas que hoje me parecem impossíveis de acontecer, pelos menos à pessoa que sou hoje. Com isto chegou a falta de auto estima, a falta de confiança no meu corpo a pressão por ser magrinha, por deixar de comer e ser infeliz só porque algo me dizia que eu só seria bonita se tivesse 20kg a menos. E quando bati no fundo e quase fiquei doente ainda não era o suficiente porque afinal as mulheres querem-se com curvas.


Já me pediram coisas absurdas, usar o corpo para conseguir alguma coisa, só porque achavam que os homens me achavam piada por todas essas diferenças e por todas essas diferenças as pessoas achavam que alguma vez eu iria sujeitar-me a ser um objecto para bem de pessoas alheias. O sexismo é real e está em todo o lado e enquanto deixarmos que as pessoas nos ditem o que queremos e devemos ser as coisas nunca vão mudar.

As pessoas acham que me conhecem só por falar abertamente no meu blog, mas o facto engraçado é que talvez seja a maneira de mudar a mentalidade das pessoas uma de cada vez. Porque ás vezes eu acho que essa é a minha missão neste mundo. Daí eu ter criado este blog, para mostrar que não precisam de ser um parasita para serem imunes ao vírus. E eu vou continuar a falar de sexo como se fosse uma coisa normal, porque é uma coisa normal, e quanto mais se falar nisso mais rapidamente se torna em algo natural, porque muitas pessoas ainda não caíram na realidade que os pais tiverem de dar umas cambalhotas para estarem neste mundo. Muita gente esqueceu-se do buraco de onde saiu com certeza. 



Só para relembrar, ter tatuagens não significa que ando nos maus caminhos, a não ser que a estrada para a loja de tatuagens esteja em más condições, aí podem dizer que ando mesmo nos maus caminhos. Usar decote ou meter um dedinho na boca não significa que estou mortinha para ter uma noite louca e que estou aberta a propostas indecentes. Ter uma cor de cabelo pouco vulgar não significa que preciso de atenção de alguém, quando eu sentir que preciso de chamar a atenção de alguém significa que essa pessoa não merece o esforço. Não deveria ser necessário "chamar" a atenção seja de quem for. A não ser que seja o vosso idolo, aí GRITEM.



Eu sou uma mulher livre.  E a minha liberdade diz-me que posso vestir o que me deixar confiante,  que posso usar a cor de cabelo que me fizer feliz,  que posso ser sexy sem ser chamada de puta,  que posso tirar uma foto provocante e publicar nas redes sociais que isso não significa que eu quero foder com alguém.

Eu gosto de mim.  E por gostar de mim eu quero e vou ser sensual, para mim.  Por gostar de mim eu vou tapar os ouvidos para não me deixar afectar por palavras estúpidas e vazias.  E por gostar tanto de mim eu torno isto público para mostrar que eu vou ser sempre EU e não há nenhum filho da mãe que me faça pensar o contrário.



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4 comentários

  1. Com este post conquistas te ainda mais admiração, estamos juntas nessa luta, eu achava que só eu pensava dessa forma mas afinal não estou sozinha, obrigada por partilhares o melhor de ti conosco

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  2. Obrigada por partilhar. De repente já não estou tão só.

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  3. Adorei o post babe...acho que devemos ser aquilo que queremos e não o que querem que sejamos!
    Não é a roupa, as tatuagens ou a cor de cabelo que faz de ti uma qualquer!
    Há por aí tanta gentinha "armada em bem vestida", que se calhar partem a loiça toda, andam vestidas e tatuadas igual a meio mundo e se calhar nem lhes dizem nada...mas se são felizes, boa, deixem os outros o ser também!
    Adorei querida :)

    With Love
    Lil'Susie <3

    www.callmemisslilsusie.blogspot.pt

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  4. Este país ainda vive no tempo das cavernas .. infelizmente . No entanto , penso que algo está a mudar .. e a meu ver para melhor .. a nossa missão como seres humanos é a evolução . Isto passa pela mudança de mentalidade, atitude e paradigma .
    A maior prova de fidelidade é aquela que estabelecemos connosco próprios. E aí estás de parabéns .. termino com esta célebre frase : " a sorte sorri aos audazes" 😊

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